quarta-feira, 1 de abril de 2009

Dicas para melhorar a vida dos portadores de ELA

Introdução

O que está exposto é decorrente do conhecimento prático, adquirido durante o período em que um paciente esteve internado na UTI, no hospital e em tratamento domiciliar. Este paciente vivencia há mais de 5 anos e meio as mais diversas situações a que um paciente de ELA pode ser submetido. O resultado são dicas em diversas áreas que poderão ser úteis aos portadores da doença, cuidadores e familiares.

A intenção desta publicação é a melhor possível e a linguagem utilizada procurou ser o mais acessível para leigos.

Lembre-se que cada paciente possui as suas peculiaridades. Esta é uma mensagem realista que não constrói um cenário negativo aos doentes e, sim, relaciona um conjunto de dicas, que são alternativas concretas para um aumento da expectativa de vida dos pacientes. Abaixo listamos uma série de dicas observadas durante esta vivência.

Pacientes internados em hospitais

  • Exija que os médicos permitam a presença de acompanhantes na UTI, pois os técnicos que cuidam dos pacientes podem estar sobrecarregados de trabalho ou atendendo alguma ocorrência. O carinho da família também é insubstituível numa melhora do estado de espírito do paciente.
  • Pacientes que tenham dificuldades de comunicação verbal necessitam de formas alternativas que garantam a qualidade de vida. Neste caso, utilize um protocolo (descrito mais abaixo) baseado em perguntas que são feitas ao paciente.
  • Sempre que possível, isso vale para pacientes conscientes, tente deixá-lo o menor tempo com máscaras total face. Elas tapam nariz, boca e os olhos e podem gerar pânico, além de dificultar a comunicação.
  • Solicite ao médico uma redução do tempo de internação se o estado de saúde permitir, pois a probabilidade de serem adquiridas infecções hospitalares é alta. Isso pode ocorrer devido à fragilidade do sistema respiratório. A presença de sondas também pode aumentar o risco de infecções.

Usuários de ventilação mecânica

  • Para pacientes que necessitam de ventilação mecânica do tipo BIPAP, recomenda-se que tenham 2 modelos de máscara. Elas tapam somente o nariz e trazem maior conforto ao paciente. Tente revezar as duas máscaras para diminuir os riscos de escaras no rosto.
  1. Almofada nasal (Mirage Swift™ II Nasal Pillows System)
  2. Nasal (Mirage Activa™ Nasal Mask)
  • Nos pacientes com traqueostomia, a higiene da traqueostomia deve ser redobrada a fim de evitar infecções.
  • Os aparelhos e traquéias devem ser cuidadosamente higienizados, pois o acúmulo de sujeira pode resultar em infecções respiratórias.

Transporte

  • Tenha sempre uma cadeira de rodas desmontável e com encosto cervical, mesmo que o estágio da doença não tenha causado disfunções que comprometam a locomoção e a firmeza cervical. A doença é progressiva e vale a pena investir um pouco mais em equipamentos que não serão descartados.
  • Prefira cadeiras feitas de alumínio temperado, pois estas são mais leves, e portanto mais fáceis de transportar.
  • Não corra nunca com as cadeiras de rodas, principalmente com cadeiras que tenham rodas pequenas que travam em piso irregular.
  • Quando possível, utilize os serviços de táxi adaptado com profissionais devidamente treinados, pois o custo é inferior ao transporte por ambulâncias. Isso deve ser feito, é claro, respeitando as limitações do paciente e as restrições impostas pelo médico.
  • Sempre que qualquer movimentação for realizada, tenha certeza de que a coluna cervical está bem firme para que não ocorra nenhuma torção na região do pescoço devido à falta de força.
  • Fique atento para jamais forçar as articulações dos ombros, braços, quadril e joelhos. Jamais puxe ou carregue o paciente pelos braços.
  • A maioria dos profissionais cuidadores reclama de dores devido ao transporte dos pacientes. Contudo, muitas dessas dores são oriundas de duplas jornadas de trabalho e também da falta de técnica para pegar o paciente. Por isso, é interessante que os familiares ajudem o profissional, a fim de melhorar a segurança dos transportes e minimizar o peso.
  • Utilize as técnicas de alavanca existentes, pois elas reduzem o esforço necessário para as movimentações. Isso pode ser testado com algum familiar até que todos tenham segurança nas movimentações. Nunca ponha em risco o paciente. As principais movimentações são da cama para a cadeira e vice-versa, da cadeira para cadeira de banho e vice-versa, da cadeira para o carro e vice-versa. Obs.: Os bons profissionais de fisioterapia são os ideais para realizarem o treinamento dos familiares e cuidadores nas questões de movimentação. Exija isso e garanta mais segurança para os pacientes.
  • Muitos hospitais deixam um número excessivo de pacientes aos cuidados de um único técnico de enfermagem e estes acabam sobrecarregados, sem realizar as movimentações necessárias. A família deve acompanhar o paciente sempre que possível para evitar que isso ocorra.

Moradia

A moradia deve, obrigatoriamente, possuir:

  • Espaço no banheiro.
  • Espaço no box para manobra da cadeira de banho.
  • O box não pode ter degraus.

Tenha os seguintes cuidados:

  • Retire todos os móveis que possam atrapalhar a movimentação do paciente pelos diferentes ambientes da casa.
  • Retire todos os tapetes e obstáculos que facilitem o tropeço do paciente e do cuidador.
  • Coloque barras de apoio em todos os pontos de locomoção da casa e, principalmente, no banheiro para pacientes que ainda caminham.
  • Se for possível, não fique em casas com escadarias de difícil acesso e com muitos degraus entre os ambientes.
  • Sempre que sair externamente com o paciente, certifique-se de que o local possua fácil acesso e total segurança para a locomoção. Vá antes ao local e teste as alternativas de acesso disponíveis ou elabore um novo plano de locomoção para o paciente.
  • Os elevadores devem ter dimensões compatíveis com o uso e manobra da cadeira de rodas.
  • Nos condomínios, deve-se ter acesso sem degraus à garagem e aos locais de transbordo do paciente.
  • Caso os degraus sejam inevitáveis, construa rampas para facilitar o acesso à cadeira de rodas.
  • Procure deixar o paciente em um quarto que seja arejado, ensolarado e de preferência que permita a observação da paisagem sem que haja prédios muito próximos.

Melhorando o aspecto psicológico

  • Lembre-se que quando menos se espera o paciente de ELA está consciente e está vendo tudo o que ocorre ao seu redor. Não o trate como um saco de batatas! 
  • Lembre as equipes de profissionais da saúde que cuidam de portadores de ELA que o portador da doença é um ser humano, com as faculdades mentais plenas e com alto grau de consciência e percepção.
  • Avise as equipes e todos os visitantes que na maioria dos casos o paciente de ELA mantém as funções sexuais, urinárias e gástricas. Como ser humano, necessita de atenção e afeto, mas não necessita ser tratado como um coitado ou inválido. Muitos pacientes ainda contribuem de diversas maneiras com a sociedade e inclusive continuam trabalhando com todo o empenho.
  • O paciente de ELA é muito cobrado para que reaja positivamente diante da evolução da doença, acarretando em pressões psicológicas que podem levar ao efeito contrário. Uma das soluções para este problema é iniciar sessões de psicoterapia, onde o paciente possa externar todas as suas angústias, sem medo de julgamento prévio. Os familiares também devem ser avaliados e tratados à parte do paciente de ELA.
  • Ao receber o diagnóstico, procure sempre uma segunda opinião, pois é direito do paciente procurar outras opiniões. Não se desespere! Sempre tenha a esperança de que os grandes avanços da medicina levarão ao controle e à cura da doença.
  • Fuja do pessimismo e da desesperança, pois esses fatores poderão ser decisivos na sobrevida do paciente.

Os Cuidadores (profissionais e familiares)

  • Controle minuciosamente todos os profissionais que cuidam do paciente para que eles façam as trocas de decúbito no tempo indicado.
  • Certifique-se de que a higiene dos órgãos genitais está bem feita, devido ao grande risco de infecções urinárias.
  • Certifique-se que o paciente esvaziou totalmente a bexiga para evitar a proliferação de bactérias e o surgimento de cistites.
  • Sempre que algum visitante, familiar ou profissional de saúde estiver gripado ou resfriado, exija o uso de máscaras cirúrgicas, que podem facilmente ser adquiridas em farmácias.
  • Aqueça as extremidades dos pacientes sempre que a temperatura cair, com o auxilio de toucas, luvas e meias.
  • Faça regularmente movimentos com as articulações do paciente, além do que já é realizado nas sessões de fisioterapia. Peça que o fisioterapeuta ensine alguns exercícios que possam ser feitos pelos cuidadores.
  • Os familiares devem monitorar o trabalho de todos os profissionais envolvidos para diminuir os riscos de negligência.
  • Procure contratar profissionais que tenham sempre a força necessária para fazer as movimentações dos pacientes de ELA.
  • Sempre que possível, contrate profissionais cuidadores do sexo feminino para o turno da noite, pois a maioria das mulheres tende a despertar mais facilmente que os homens. Além disso, muitos homens roncam durante a noite atrapalhando o sono do paciente.
  • Os familiares devem realizar um teste prático com todos os profissionais cuidadores. Este teste deve ter pelo menos um plantão inteiro. Recomenda-se que os familiares monitorem o turno da noite com câmeras ou com visitas surpresa, até que os profissionais transmitam a segurança necessária ao paciente.
  • Durante os períodos de muito calor, deve-se monitorar constantemente as partes do corpo mais suscetíveis ao aparecimento de micoses e outras ocorrências na pele. Ocorrendo, procure orientação médica.
  • É importante que os familiares conheçam e consigam operar os aparelhos necessários aos pacientes para que, em uma emergência, não se perca tempo com profissionais novatos e inexperientes.
  • Os profissionais cuidadores não podem ficar sobrecarregados com outras atividades, como atividades domésticas. Eles podem ficar estressados, acarretando em queda da qualidade da prestação do serviço.

Navegação na Internet

  • Com a internet, o acesso às informações tornou-se mais fácil e é natural que pacientes e familiares procurem respostas e esperanças para o tratamento da doença. Contudo, deve-se ter extremo cuidado, já que o conteúdo, em grande parte, é desencorajador e pode influenciar negativamente em crises depressivas.
  • Evite os sites que vendam desesperança e afaste os pacientes deste tipo de conteúdo.

Uma vida sexual ativa

  • Sempre que possível, mantenha a vida conjugal do paciente de ELA, pois isso promove uma melhoria significativa no estado de espírito. Contudo, devem ser tomados alguns cuidados para evitar a fadiga respiratória. Existem várias posições que podem ser utilizadas, basta que o casal tenha um pouco de criatividade.
  • Outro aspecto, mas que envolve alguns tabus sociais, é a contratação de profissionais do sexo.

Melhorando a comunicação

  • Se a funcionalidade do paciente permitir o uso de dispositivos de aviso como campainhas, instale e dê orientações de como os profissionais cuidadores devem proceder.
  • No caso dos pacientes que não podem mais falar, é importante que sejam estabelecidos protocolos de comunicação, mantendo a comunicação do paciente com o mundo exterior.
  • A seguir serão dados alguns exemplos de protocolos baseados numa hierarquia de necessidades e de ocorrências com os pacientes. Lembre-se que cada paciente poderá montar o seu protocolo.
  • As primeiras coisas a serem definidas são os códigos utilizados como, por exemplo, uma piscada com o olho direito para dizer sim e outra com o olho esquerdo para dizer não.
  • Nas situações que a linguagem escrita for difícil de ser implementada, podem ser utilizados desenhos ou bonecos, como por exemplo, mostrar o corpo humano para indicar uma área de dor ou coceira.
  • Exemplos de situações mais comuns e importantes que podem estar nos protocolos:
  1. Fome/Sede
  2. Frio/Calor
  3. Dores (de dente, de cabeça, lugares parados por muito tempo como o cóccix, calcanhares, pescoço, costas e também dores gastrointestinais)
  4. Necessidades fisiológicas como urinar, defecar e limpeza.
  5. Coceiras
  6. Movimentações (troca de decúbito e movimentos articulares)
  • Os protocolos devem ser aplicados em intervalos curtos de tempo (de meia em meia hora) pelos cuidadores, independentemente de estar em hospital ou residência.
  • Os familiares devem monitorar o cumprimento dos protocolos por parte dos cuidadores.

Utilizar os recursos tecnológicos disponíveis

  • Além do uso de câmeras, campainhas e aparelhos de respiração, o computador pode ser um importante aliado para a comunicação e entretenimento do paciente, sendo que em alguns casos pode inclusive trazer certa autonomia.
  • Podemos citar, como exemplo, o software Qualieye, desenvolvido pela Qualilife, que é uma empresa suíça especializada em inclusão digital (http://www.qualilife.com). Este software custa em torno de U$ 500,00 necessitando apenas de um computador com webcam. O software pode ser baixado do site, na versão gratuita, por 30 dias. O Qualieye funciona através da detecção de movimentos captados com a webcam. Qualquer paciente que ainda movimente o pescoço, mesmo com suporte cervical, poderá adequar este software às suas necessidades e limitações.
  • É importante que o paciente tenha acesso a internet para aumentar a sua comunicação com o mundo exterior.
  • Existem outros softwares que podem auxiliar na comunicação e no uso do computador pelos pacientes. Por exemplo, o Via Voice (que foi descontinuado na versão em português pela IBM) que funciona através do reconhecimento de voz. Ele permite comandar o computador e editar textos. Há outros softwares que montam palavras e frases, que depois podem ser faladas pelo computador. Nesta área, existem alguns que são gratuitos como:
  1. MICRO FÊNIX: é gratuito pela internet. O projeto microFênix v 2.0 foi criado pelo professor Antonio Borges, no Núcleo de Computação EletrônicaUFRJ), em 2004/5, para facilitar o uso do computador pelos portadores de deficiência física que apresentam limitações que impossibilitam o uso dos membros superiores ativamente. No link http://intervox.nce.ufrj.br/microfenix é possível baixar o programa e seu manual.
  2. CLICK-N-TYPE (também da Qualilife): é gratuito e permite acionamento de teclados.
  3. NOTE VOX 2.0: permite que o computador fale através de movimentos de cabeça. Foi desenvolvido na UNICAMP e também é gratuito.
  • Existem diversos produtos como almofadas com gel, colchões piramidais, mesas auxiliares para alimentação e para colocar o computador, guindastes para movimentações, que possuem vários fornecedores e vários custos. Quando possível, estes produtos devem ser locados devido à progressão da doença, que acaba terminando com a vida útil do produto em tempos curtos.
  • - É desejável que os pacientes possam intercambiar tecnologias entre si, visando a redução de custos e proporcionando qualidade de vida aos que possuem uma renda incompatível com a compra destes produtos.

Gestão de recursos financeiros

  • Esta doença acaba conduzindo o paciente à invalidez para o trabalho, além de exigir muito tempo dos familiares. Um dos grandes desafios dos portadores de ELA é econômico, pois manter-se com todo o aparato necessário para a qualidade de vida exige recursos. Mesmo as pessoas com uma renda mais elevada acabam encontrando dificuldades financeiras em um determinado momento. Pensando nisso, sugere-se as seguintes medidas de controle de gastos:
  • Tenha todos os custos e as receitas colocados em uma planilha.
  • Avalie todos os bens que podem ser colocados à venda e veja qual é a sua capacidade de liquidez, ou seja, de transformar-se em dinheiro, para que a família se adiante a possíveis restrições econômicas.
  • Controle de perto todos os gastos, desde a compra de medicamentos até de alimentação.
  • Para quem não tem plano de saúde, os custos recairão, na maior parte, no pagamento de serviços de profissionais da área da saúde (fisioterapeutas, médicos e cuidadores). O volume de recursos necessários é muito alto. Alternativas devem ser buscadas e vão da negociação com os profissionais, à substituição de algumas atividades por familiares que disponham de tempo.

A busca dos direitos

Aqueles que não tiverem recursos para realizar o tratamento, ou que não possuam plano de saúde, devem lutar por seus direitos através do Sistema Único de Saúde (SUS) e/ou a via judicial. Na via jurídica, pode-se buscar liminares que obriguem os governos a oferecerem os serviços necessários. O Ministério Público pode ser um grande aliado na conquista de direitos como o uso do oxigênio, o uso do BIPAP, realização de fisioterapia, aquisição de medicamentos e nutrição especial quando necessário.

É importante destacar que essas dicas devem ser adaptadas ao perfil etário, econômico e cultural de cada paciente. Procure sempre respeitar a vontade do paciente e lembre-se: ninguém é um saco de batatas! E todos podem ajudar-se.

Referências consultadas (endereços úteis):

Em Português

Esclerose lateral Amiotrófica. O que há de novo? Comentários da geneticista Mayana Zatz - acessado em 8/3/2009

Estudos clínicos em Israel com células tronco em pacientes de ELA - acessado em 8/3/2009

Em Inglês

Fabricante das máscaras e do aparelho de ventilação mecânica:

ResMEd - acessado em 17/3/2009

Glimmer of Hope for People with ALS - acessado em 1/3/2009

Possíveis causas de ELA - acessado em 1/3/2009

American Family Physician - acessado em 1/3/2009

Fundamentações empíricas e científicas do uso de IPLEX por portadores de ELA - acessado em 1/3/2009

Veteranos de guerra tem altas taxas de ALS - acessado em 1/3/2009

Testes clínicos nos EUA - acessado em 1/3/2009

Descoberto novo gene relacionado a ELA - acessado em 8/3/2009

Site sobre tratamento com células tronco realizado na China- acessado em 8/3/2009

Pesquisas clínicas com células tronco no Hadassah( hospital israelense) - acessado em 8/3/2009